No último dia 25 de fevereiro de 2020, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu um caso seminal envolvendo a Convenção da Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Menores: Monasky v. Taglieri (nº. 18-935).


A Corte se pronunciou sobre duas questões. A primeira delas relativa à extensão e interpretação do termo da Convenção “residência habitual”, utilizada como parâmetro para determinação da jurisdição na qual são decididos todos os temas relacionados ao menor. Na segunda questão, a Corte se debruçou sobre a extensão do poder revisional do Tribunal de Apelação com relação às decisões de 1º grau tomadas no âmbito de aplicação da Convenção.


No caso particular, debatia-se a definição da residência habitual de uma criança que, segundo o requerimento do pai, havia sido ilicitamente retirada da Itália e trazida pela mãe após apenas dois meses do nascimento para os Estados Unidos. O pai argumentou que a residência habitual do menor era na Itália, local onde havia nascido, onde o casal havia realizado os preparativos para criar a criança e também o local de residência do casal. Além disso, apontou que em nenhum momento se havia discutido a possibilidade de retorno da família aos EUA. Nesse país havia sido celebrado o casamento, era o da nacionalidade da mãe e onde residia antes de se mudar para a Itália.

Por sua vez, a mãe alegava que a definição da residência habitual da criança somente seria possível a partir da realização prévia de um acordo expresso entre ela e o marido sobre a questão. Este seria o fator determinante para a qualificação da ilicitude da retirada.

No que diz respeito à questão da residência habitual, cuja definição não está delineada pela Convenção, a Suprema Corte decidiu que sua determinação dependeria de uma análise do conjunto de fatores presentes na vida da criança. Estes deveriam ser verificados concretamente, de forma sensível e flexível, sem sobreposição em abstrato de qualquer um deles sobre os demais.


A Corte afastou a alegação da mãe quanto a imprescindibilidade de um acordo expresso entre os genitores para definição da residência habitual da criança, tal como já afirmado nas decisões proferidas pelas cortes inferiores. Por fim, definiu que, nas situações das crianças que ainda não interagem completamente com o meio em que vivem, como no caso dos recém-nascidos, o estabelecimento da residência habitual depende de uma análise das circunstâncias e intenções dos responsáveis. Para o caso em questão, a Corte entendeu que a intenção dos pais era de criação da criança na Itália, país então que, pela Convenção, teria jurisdição para decidir sobre a guarda e demais questões relacionadas ao menor.


No que diz respeito à segunda questão, a Suprema Corte afirmou que o nível de revisão do Tribunal de Apelação deveria considerar as decisões de 1º grau já tomadas. Sua análise deveria ser para fins de verificação de possíveis erros de fato (“clear error”), respeitando-se aquela probatória já realizada. Além disso, entendeu que uma análise independente à título recursal não seria consentânea com a noção de procedimento expedido da Convenção para retorno do menor ilicitamente retirado.


O caso traz delineamentos importantes para a definição dos elementos necessários à comprovação do conceito de residência habitual em casos de sequestro de menores. Servirá não só para os casos estadunidenses, como também para aqueles que devem ser julgados em outros países. O estabelecimento de marcos para o conceito de residência habitual traz maior segurança jurídica aos operadores do direito na análise dos elementos fatuais de prova. Serão de grande utilidade, especialmente no que concerne às situações de crianças recém-nascidas, ou àquelas que, por algum motivo, ainda não possuem relevantes laços com o meio em que residem.